Momentos de crise sempre propõe uma profunda reflexão sobre a forma por meio da qual conduzimos os nossos negócios. E, invariavelmente, em 100% dos casos, a gente percebe que precisa mudar. E muito.
Marcus Frediani
Talvez pela redundância do slogan, nunca ninguém viu no vidro traseiro de um automóvel a frase “Consulte sempre um consultor”. Mas, por mais estranho que possa parecer, o tal adesivo poderia trazer a necessária inspiração para os empresários nortearem, com mais segurança, as mudanças fundamentais que precisam ser feitas não só nas suas companhias, como também em seus modelos de negócios.
“O momento certo para o empresário buscar ajuda profissional, como uma consultoria é… Sempre!”, resumo Moisés Bagagi, economista, consultor empresarial, professor de economia e finanças da FIA/USP e, ainda, sócio diretor da agência Opportunity Consult. A afirmação pode até parecer propaganda de consultoria, mas, acredite, não é mesmo. O poder agregador da visão externa de um profissional da área tem servido, efetivamente, como divisor de águas entre as empresas que estão dando certo e aquelas que estão patinando feio nesta época crítica da economia brasileira. E a conclusão que se tira após a leitura atenta do texto é: é preciso mudar – rapidamente –, não só para crescer, como também para sobreviver às intempéries da economia brasileira, que ainda estão longe de amainar. Entenda isto, e muito mais, nesta entrevista que Moisés concedeu, com exclusividade, ao Anuário Brasileiro da Siderurgia!
Anuário Brasileiro da Siderurgia: Moisés, 2017 vai ser mesmo o “ano da virada” na economia brasileira?
Moisés Bagagi: Olha, infelizmente, eu não sou tão otimista quanto meus colegas economistas. Não vou dizer que eles estão errados, mas sou bastante realista. Apesar de a indústria ter divulgado recentemente alguns números positivos e os índices de confiança estarem aumentando, 2016 foi o terceiro ano de queda da indústria no Brasil. E três anos de queda da indústria é muita coisa. Nosso país está passando por um processo de desindustrialização que já está começando a ficar preocupante.
Então, em 2017, teremos mais do mesmo?
Até acredito que, em 2017, vamos ter, sim, uma melhora de cenário. Porém, temos uma condição econômica interna muito confusa. Duvido que o crescimento vai ser alguma coisa que a gente vá falar “Bom, a crise passou!”. Teremos uma melhora pequena, que pode, porém, animar alguns empresários a voltar a investir e as pessoas voltarem a consumir, com a queda dos juros. Com os últimos cortes do Copon, a indústria deu uma crescidinha. Mas se você olhar o final do ano de 2016 e o começo de 2017 o retorno ainda não existe. Vai ter um crescimento, sim. Mas ele vai servir para a gente ter uma recessão menor.
Em que medida o governo vai ajudar nisso?
O governo está muito mais interessado em seguir com as reformas, do que dar um incentivo para a economia. As reformas e ajustes são necessários, sim, mas só vão dar resultado no médio prazo. Porém, antes disso, o Brasil precisa fomentar a economia de uma maneira que voltem a haver investimentos privados. Não adianta esperar investimentos do governo: ele não tem dinheiro. O governo está quebrado. Nossa grande chance está no investimento privado, principalmente na captação de capital externo. O problema é que os “donos” desse capital externo – como os fundos de investimentos e as empresas que ainda não têm plantas próprias no país –, não vão querer investir num cenário em que não se sentem seguras.
Na sua opinião, quais setores que vão dar uma impulsionada no Brasil, ainda que pequena, em 2017?
O agronegócio vai continuar contribuindo muito. A indústria de bens de consumo pode voltar a crescer. E o Brasil está se especializando cada vez mais no setor de serviços, o que não deixa de ser preocupante, porque estamos esquecendo nossa vocação industrial. E para a gente ter competitividade internacional, a gente não pode deixar a indústria morrer.
E o que pode fazer o empresário brasileiro tirar esse capital da ciranda financeira?
Olha, acredito que, num primeiro momento, se o governo conseguir segurar seus gastos –, e os empresários perceberem que o governo está fazendo realmente alguma coisa para a economia melhorar, pelo menos do ponto de vista macroeconômico –, eles voltam a investir, ainda que de uma maneira tímida. E o investimento que estou falando não é montar uma fábrica nova: é simplesmente voltar a comprar matéria-prima e contratar pessoas, porque isso gera um ciclo virtuoso.
Como as empresas podem fazer a sua parte, para acelerar essa transição?
Elas podem fazer muito, principalmente trabalhando na prevenção. Prevenir custa muito mais barato do que você remediar. Elas precisam evitar desperdícios – de tempo, de matéria-prima, de mão de obra – e evitar o retrabalho. Independentemente se a economia está boa ou está ruim, a empresa tem sempre que olhar da porta para dentro. E, a partir daí, tem que repensar seus processos organizacionais, fazendo reengenharia de processos, analisando o quê você faz, como você faz e porque você faz. Outra ferramenta importante é a gestão orçamentária, que é olhar para o mercado e para dentro da empresa e ver quais são as oportunidades, os caminhos e como vão ser alcançados os objetivos empresariais.
Só que, da mesma forma que não planejam e fazem gestão orçamentária corretamente, as empresas brasileiras parecem não ter controle do negócio.
Exatamente. A gente não pode simplesmente molhar a ponta do dedo, colocá-lo para cima e ver em que direção está o vento. Ter controle da empresa é absolutamente fundamental. Tem que ficar de olho nos indicadores de negócio e lançar mão de todas as ferramentas de controle possíveis, como os de custos, de produtos, planejamento estratégico, de planejamento para formação de preços etc. E as empresas têm que fazer isso o mais rapidamente possível, para gerar mudanças rápidas nelas também.
OK! Mas aí é que está o grande desafio: não é fácil convencer o empresário a mudar, não é mesmo?
Qualquer mudança vinda de um negócio sempre vai gerar desconfiança ou insegurança. Daí, é preciso mudar paradigmas. E a primeira coisa para conseguir isso é trazer todo mundo para o seu lado e dizer “Se a gente não mudar, seremos engolidos. Daqui para frente temos que fazer uma coisa melhor”. O bolo diminuiu, e é aí que entra em cena a reengenharia de processos, apoiada em outras ferramentas como o empowerment, que é um exercício que faz com que os executivos da empresa entendam que eles não devem centralizar todas as decisões, porque, quando eles fazem isso, acabam fazendo a tarefa que eles pagam para outros fazerem. Nesse sentido, outra ferramenta importantíssima que precisa ser utilizada é o benchmarking, que é, basicamente, lançar um olhar para o mercado e ver o que os líderes estão fazendo – porque é impossível olhar para o mercado inteiro –, fazer uma análise séria e se inspirar no movimento dos concorrentes, não apenas copiando o que eles fazem, mas fazendo mais, agregando valor, que é a grande diferença.
Nesse processo, não é comum, muitas vezes, que o empresário sinta uma baita necessidade de começar do zero novamente?
Sim, isso é muito comum. E, na maciça maioria das vezes, é exatamente o que precisa ser feito. Temos uma ferramenta chamada OBZ, que significa precisamente isso: Orçamento Base Zero. Com o tal encolhimento do bolo, que é o mercado, e ao qual me referi há pouco, quem não repensar a empresa do zero, a partir desse momento para frente, vai acabar perdendo competitividade. Existem muitas coisas que podem ser feitas, mas o base zero, a reengenharia de processos um pede o outro. O Base Zero não é o orçamento da Controladoria. Ele não vem de cima para baixo, exige que todas as áreas analisem e entendam quais são as suas reais necessidades e quais são as nossas atividades, e vamos colocar cada uma delas em pauta, vamos estabelecer critérios, e vamos estabelecer prioridades. Nós só vamos fazer o que é prioritário e que, dentro dos critérios estabelecidos, esteja dando resultado.
Enxugar equipes é uma solução plausível. Mas é recomendável?
Às vezes, ao implantar esses processos na empresa e investir em mudança, você descobre, por exemplo, que há muita sobreposição de tarefas e retrabalho, o que acaba redundando em corte de pessoal. Mas mesmo essa decisão tem que ser analisada com muita cautela e, posso lhe dizer com segurança, cortar pessoas nem sempre é a melhor solução. Não raro, essa a última coisa que se tem que fazer. Ao mandar um funcionário embora em tempos de crise, você aumenta o gasto, porque tem que rescisão dele. E, aí, depois de três ou quatro meses, a situação melhora, e você tem que recontratar alguém para exercer aquela função. Só que o sujeito vai precisar de uns três ou quatro meses para aprender o trabalho e ser treinado para fazer o trabalho. Então, você manda funcionário embora para economizar, mas está fazendo uma economia porca.
De que forma consultor pode ajudar uma empresa a não errar, quando ela tem tantas tarefas pela frente?
O maior benefício que o profissional de consultoria pode trazer à empresa é o olhar externo. O empresário deveria procurar consultoria ou ajuda externa porque esse profissional consegue olhar a empresa sem participar dos problemas, ou seja, consegue ter uma visão isenta, porque ele não está preocupado em perder o emprego, o que é bom para o empresário. O consultor, por exemplo, tem ampla liberdade para falar, “Meu amigo, isso aqui está errado. E o que está errado, está errado! Se você não mudar ou consertar, você fecha!”.
E qual o momento “certo” para contratar esse profissional?
O momento certo para o empresário buscar ajuda profissional, como uma consultoria é… Sempre! E essa necessidade se intensifica em momentos de crise. Mas é preciso ter cuidado na hora da contratação, porque tem muito consultor que promete e não entrega. Algumas dicas para não erras nessa hora são empresário são avaliar o histórico do profissional, ver se ele escreve artigos, participa como colunista de algum veículo de comunicação ou portal especializado na internet… Tudo, para ver se está sempre ali, presente, sem se esconder. E, ao encontrar a pessoa certa, posso garantir que o empresário vai conseguir dar um salto de qualidade e de produtividade muito grande, num curtíssimo espaço de tempo. Mas, não existe mágica: existe, sim, trabalho duro que precisa ser feito. E é exatamente pelo fato de o consultor ter essa visão externa, que ele é muito mais assertivo.
Além das empresas, quem está mudando (e bastante) é o cliente. O que fazer para acompanhá-los?
“Observação” é a palavra-chave. A primeira coisa é seguir seus concorrentes de perto. Sabe aquela máxima do Maquiavel que diz “Mantenha os seus amigos por perto, e os seus inimigos mais perto ainda”. É isso! Hoje, a informação não é privada: com as redes sociais todo mundo pode saber o que o outro está fazendo rapidinho. Só que temos que usar a informação não só para vigiar nossos concorrentes, como também e entender nossos clientes. É isso que pode ajudar uma empresa a preencher a seu favor os tais “espaços vazios” que as crises proporcionam.
Em síntese, então, a tendência é estreitar relacionamentos.
Exatamente! O que as pessoas estão querendo hoje? Humanização. Todo mundo está querendo comprar uma coisa mais humana. As pessoas querem mais lazer, mais diversão, mais coisas gratuitas, querem relacionamento humano e a proximidade que ele traz. Nesse novo cenário, venho percebendo um movimento, por meio do qual, cada vez mais, as empresas “de donos”, que são bastante conhecidos pelos clientes, estão se sobrepondo às empresas “de cara nenhuma”, como as multinacionais, por exemplo.
Quer dizer, as empresas menores têm mais chance de mudar na crise do que as maiores. É isso?
Sim! As pequenas empresas têm mais chance, porque, além de ter a “cara do dono”, elas tendem a ser mais acessíveis e flexíveis. O grande empresário tem poder econômico, que é muito importante. Então, se ele conseguir atender a seus clientes bem e fazer a empresa rodar só com o poder econômico, tudo bem! Uma siderúrgica, como uma CSN, por exemplo, sempre vai ser uma empresa grande, mas uma siderúrgica menor ou um distribuidor de aço pode fazer um acordo com os concorrentes e criar um conglomerado, e, aí, dizer “Vamos juntos atender ao mercado!, A CSN não quer fazer isso, mas a gente quer!” Então, juntando esforços, essas empresas menores conseguem reduzir custos, melhorar preços, ganhar produtividade e, sobretudo, atender aos seus clientes com mais qualidade. E é isso que eles, clientes, querem.
Gostaria de finalizar nossa entrevista com uma mensagem sua para os empresários do setor de siderurgia acerca de expectativas para este ano de 2017.
Olha, se eu tivesse que definir 2017 em uma única palavra, esta seria “serenidade”. A gente só consegue mudar o que a nossa mão alcança. Agora é hora de fazer um OBZ interno, de repensar como se não houvesse havido ontem. A experiência é muito importante, porque ela vai trazer conhecimento ao empreendedor, bem como a consciência de que tudo está em constante mutação. O futuro sempre acrescenta novas variáveis, que você desconhece. Ou seja, não é porque ontem aconteceu desse jeito, que amanhã vai acontecer também. O retrovisor não reflete o futuro, ele reflete o passado, aquilo que ficou para trás. Assim, ele tem que ter humildade para pedir ajuda externa e, ainda, serenidade para usar aquilo que aprendeu para não cometer novos erros. Mas, é claro, ainda assim existe o risco, porque a gente nunca consegue acabar com ele, só minimizar. Dessa forma, se todo mundo fizer a sua parte com calma e com serenidade, provavelmente – e sem depender muito do governo –, a gente consegue em um ano e meio, dois anos, aplacar esse cenário péssimo que nós estamos vivendo, e voltar a ter uma vida mais tranquila.
[Publicado Anuário brasileiro da siderurgia – Entrevista com Moises Bagagi]
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