Tão robusto quanto uma pós-graduação acadêmica, mas mais conectado com o mercado, o mestrado profissional se tornou a preferência dos alunos. A oferta saltou de 184 para 771 cursos em dez anos
Regulamentado no país há quase 20 anos, o mestrado profissional dá as condições para que o aluno faça pesquisa e aprenda a aplicá-la no trabalho. A cada ano, a oferta de cursos da modalidade cresce num ritmo de dois dígitos. No início, havia três cursos. Em 2007, esse número saltou para 184. Hoje são 771. Na mesma velocidade, cresce a procura de alunos interessados em se qualificar com um lastro na teoria, mas sem deixar de trabalhar em sua área. Para esses profissionais, o mestrado acadêmico não é uma opção.
“O mestrado acadêmico é uma jabuticaba. Nos anos 1960, o Brasil queria ter professores mais qualificados e, por isso, criou o mestrado. Mas, em outros países, se um aluno é bom e quer seguir carreira acadêmica, ele vai diretamente para o doutorado”, afirma Antônio Freitas, pró-reitor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE). “As grandes descobertas da ciência surgiram quando os cientistas eram novos e os neurônios estavam frescos. Por isso, faz sentido que os alunos passem a se dedicar imediatamente a pesquisas inéditas no doutorado.” Essa é a lógica que países como Estados Unidos e Alemanha seguem. Por lá, os mestrados são voltados à prática.
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Os mestrados profissionais, portanto, chegaram para corrigir uma distorção que ocorre no Brasil em relação a países economicamente mais desenvolvidos. Por aqui, a maioria dos pesquisadores mestres e doutores atua nas universidades, e não nas empresas. “Os mestrados profissionais permitem que o conhecimento científico disponível em diversas áreas possa ser usado para elevar a qualidade dos serviços, processos e produtos”, diz Hélio Suguimoto, diretor de pós-graduação stricto sensu da Kroton, o maior grupo de universidades privadas do Brasil.
A administradora Julia Oliveira da Paz, de 28 anos, nunca cogitou entrar para a vida acadêmica. Quando decidiu cursar o mestrado profissional em gestão internacional, na FGV de São Paulo, ela nutria o desejo de voltar a estudar e melhorar o currículo para cavar uma promoção. Dos dois anos do curso, um deveria ser feito fora do país. Julia saiu da empresa onde estava e morou em Londres e Paris, num período dedicado totalmente aos estudos. “Menos de um mês depois de voltar, consegui um emprego melhor numa multinacional”, diz.
Assim como ocorre com o mestrado acadêmico, a modalidade profissional também habilita o aluno a seguir a carreira docente no ensino superior. Isso abre a possibilidade de profissionais que hoje se dedicam exclusivamente ao mercado de trabalho seguirem para a academia no futuro.
O economista Moisés Bagagi, de 31 anos, aluno do mestrado profissional em economia e mercados, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, pensa em ingressar na carreira docente quando finalizar seu curso. Bagagi fez três especializações enquanto passou pelo mercado financeiro, pela indústria automotiva e pelo setor de serviços, e deparou com um problema prático que se transformou no embrião de sua pesquisa. “O Brasil passa por um processo de desindustrialização, e alguns dos motivos são a pesada carga tributária, os custos de captação do dinheiro e o tempo de retorno do investimento”, afirma. “O objetivo da minha pesquisa é encontrar formas de ajudar indústrias a investir de maneira sustentável.” Bagagi paga a mensalidade do curso do próprio bolso e o vê como um investimento de médio prazo que poderá ajudá-lo a crescer na carreira como economista e como professor. Como mestre, ele também poderá prestar concursos que exijam o título.
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A admissão num mestrado profissional é mais simples do que num acadêmico. A concorrência por uma vaga é menor, e a maioria das faculdades não exige a apresentação de um pré-projeto de pesquisa. Isso não significa, no entanto, que a modalidade seja menos exigente com o aluno do que a acadêmica. Coordenadores e ex-alunos são unânimes em dizer que o rigor na cobrança é similar. Nos dois anos, em média, que dura o curso, os mestrandos abdicam de fins de semana, confraternizações e feriados para estudar, preparar os trabalhos, dar sequência à pesquisa e, sobretudo, ler muito. “É mais puxado para quem trabalha ao mesmo tempo”, afirma Regina Madalozzo, coordenadora do mestrado profissional em economia do Insper. “Sabemos s disso. Mas formamos mestres, não podemos baixar o nível de exigência.”
O mercado de trabalho valoriza quem se dedica a um desafio como esse. “Ter o título mostra que a pessoa tem interesse no assunto, pois pesquisou um problema, se dedicou, estudou mais que os outros”, diz a coach de carreira Ana Luísa Pliopas. Mas ela mesma pondera: “Não adianta fazer o curso só para constar no currículo. O profissional deve ser capaz de absorver as habilidades que um mestrado proporciona para fazer a diferença na prática.”
É a preocupação de desenvolver pesquisas conectadas com a necessidade prática que leva os mestrados profissionais a aceitar a proposta de projeto de pesquisa depois de iniciado o curso. “Eu só entreguei o pré-projeto no fim do ano passado”, diz a engenheira Juliana dos Santos Oliveira, de 29 anos, que cursa o mestrado profissional em administração no Insper. “Na minha cabeça, não fazia muito sentido entregar um projeto antes de começar a estudar, porque podia ser que ele mudasse completamente.”
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Juliana trabalha numa empresa britânica comprada recentemente por um grupo colombiano. Ela resolveu estudar o impacto da fusão de duas culturas diferentes na gestão da empresa. Juliana já passou por exame de qualificação e agora se prepara para apresentar sua tese a uma banca. A experiência profissional é relevante não só para a detecção de problemas práticos que servirão de base para a pesquisa, mas também para as discussões em sala de aula e as trocas com os colegas. Durante o curso, para facilitar a aproximação com o mercado e ampliar as oportunidades para os alunos, as faculdades promovem eventos com empresas.
O mestrado profissional é mais caro que o mestrado acadêmico. Na Universidade Mackenzie, o acadêmico custa R$ 57 mil e o profissional sai por R$ 67 mil. Enquanto o valor do mestrado acadêmico varia pouco, em algumas universidades o custo de um mestrado profissional para o aluno pode chegar até a R$ 120 mil.
Embora o mestrado profissional seja mais caro que o acadêmico, não há bolsas para essa modalidade – salvo situações muito específicas. A maioria dos mestrados acadêmicos, por sua vez, conta com linhas de financiamento públicas e privadas. Essa diferença causa controvérsia no mercado.
A Capes, fundação ligada ao Ministério da Educação (MEC) responsável por gerenciar os cursos de pós-graduação no país, oferece pouco mais de 2 mil bolsas por ano aos alunos de mestrado profissional. Essas bolsas são usadas para professores da rede pública e para programas estratégicos do governo federal, como o firmado recentemente com o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Embora a instituição incentive a criação de novos cursos dessa modalidade, não há planos para a expansão da concessão de bolsas. A Capes alega que os estudantes dos cursos profissionais já exercem atividades remuneradas e estão em busca de uma formação aplicável a sua atuação profissional – daí o limite à oferta de bolsas. Outras instituições privadas e públicas têm o mesmo entendimento da Capes. Ofertam bolsas a alunos do mestrado acadêmico, mas não fazem o mesmo com os do mestrado profissional. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por exemplo, não concede bolsa a nenhum aluno de mestrado profissional. A Fapesp argumenta que a modalidade é voltada estritamente para a formação profissional e não envolve atividades de pesquisa científica e tecnológica, foco da instituição.
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Há críticos ferozes dessa posição. “As pesquisas dos mestrados profissionais têm impacto público”, diz Cristina Helena Pinto de Mello, pró-reitora acadêmica de pesquisa da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “A inovação e a melhoria nos processos e na produtividade geram empregos e aumentam o faturamento das empresas.” Antônio Freitas, da FGV, também critica a postura da Fapesp. “No mestrado acadêmico, os alunos fazem pesquisa e o currículo fica uma maravilha, mas o que volta para a sociedade?”, questiona. “Existe professor com doutorado em finanças que nunca entrou num banco. Para resolver um problema, é preciso compreendê-lo em profundidade, e não só na teoria.” Esse tipo de polêmica não interfere na percepção positiva que os alunos, as instituições e o mercado têm em relação ao mestrado profissional. Essa modalidade foi tão bem aceita que o MEC quer que ela se expanda para o doutorado profissional. A partir de outubro, a Capes deverá começar a receber propostas de cursos dessa modalidade. A FGV prepara o seu há dois anos e iniciará o processo seletivo no segundo semestre. Para os quatro anos do programa, os interessados deverão desembolsar R$ 138 mil – na expectativa de que o próprio mercado faça esse investimento valer a pena.
Artigo muito bom!!